Medicina Fetal x Ultrassom
Até aproximadamente 20 anos atrás, para ter ideia de como evoluía a gravidez de uma mulher, o médico tinha de contentar-se com os próprios sentidos. Fazia o toque vaginal, palpava o útero com as duas mãos, tentava ouvir o batimento cardíaco do feto encostando um aparelho rudimentar na barriga da mãe. A cavidade uterina era uma espécie de caixa preta que guardava segredos até o nascimento do bebê.
Foi só com o advento da ultrassonografia que se pôde visualizar o interior do útero para saber como o feto estava se desenvolvendo. Nestes últimos anos, porém, os aparelhos de ultrassom se sofisticaram de tal maneira, que tornaram possível obter imagens muito nítidas da criança e do interior da cavidade uterina. Essas imagens não só satisfazem a curiosidade das mães, pais e avós, mas permitem que os médicos tenham acesso ao local, introduzam agulhas para colher material para exame e avaliem as condições da gravidez e do feto. Esse tipo de tecnologia evoluiu a tal ponto que se transformou numa área especializada da medicina que se chama Medicina Fetal.
HISTÓRICO E OBJETIVO
Drauzio – Do que se ocupa exatamente a medicina fetal?
Mario Burlacchini – A medicina Fetal é uma subespecialidade criada recentemente dentro da obstetrícia que visa a dar assistência maior ao feto, a buscar segurança em relação ao desenvolvimento fetal adequado e verificar se está ocorrendo alguma malformação.
Drauzio – Quando surgiu a especialidade de medicina fetal?
Mario Burlacchini – A medicina fetal foi-se desenvolvendo lentamente e começou a ganhar força no início da década de 1970 quando surgiu, no mundo todo, a preocupação com o rastreamento das síndromes, principalmente da síndrome de Down, e foi possível fazer exames como a amniocentese (estudo das células do feto pela análise do líquido amniótico) para diagnóstico dessa síndrome.
No entanto, a medicina fetal tomou impulso quando apareceram aparelhos de ultrassom mais modernos, com maior potência e maior possibilidade de visibilização do feto. A partir dessa conquista, o grande instrumento passou a ser o ultrassom, muito mais do que os procedimentos invasivos, como a amniocentese e o exame do vilo corial. O boom dessa especialidade ocorreu, porém, por volta da década de 1990, quando surgiram as sondas transvaginais de ultrassonografia que permitiram fazer diagnósticos precoces de malformações ou do bem-estar fetal bem no início da gravidez.
SONDAS TRANSVAGINAIS
Drauzio – Você poderia explicar o que são as sondas transvaginais?
Mario Burlacchini – A sonda transvaginal é uma peça do aparelho de ultrassom que introduzida na vagina permite obter imagens mais adequadas e nítidas do útero e do meio intrauterino. No exame clássico de ultrassom, a sonda é abdominal, ou seja, o exame é feito passando a sonda sobre o abdômen. A vantagem da sonda transvaginal é que ela permite visibilização melhor no início da gravidez. Por isso, até a 12ª semana, o ideal é combinar a ultrassonografia obstétrica abdominal com a ultrassonografia obstétrica transvaginal.
Drauzio – A ultrassonografia transvaginal é um exame desagradável para as mulheres?
Mario Burlacchini – Antes de responder sua pergunta, é importante destacar que exame de ultrassom transvaginal é indolor e não muito demorado, pois menos estruturas precisam ser avaliadas nesse momento. Quando as pacientes vão realizar o primeiro exame, em geral se assustam um pouco, porque tanto o aparelho como a forma de utilizá-lo são diferentes. No entanto, a grande maioria já fez um exame pélvico transvaginal fora da gravidez e sabe como ele é realizado, o que diminui a expectativa. Há estudos que mostram a aceitação desse exame especialmente durante a gravidez, porque as mulheres acham que ele contribui para aumentar a margem de segurança nesse período.
ULTRASSOM NO PRIMEIRO TRIMESTRE
Drauzio – Os exames de ultrassom para avaliar as condições do feto devem começar em que fase da gravidez?
Mario Burlacchini– O primeiro exame ultrassonografia deve ser feito ao redor da sétima ou oitava semana de gravidez por via transvaginal. Nessa fase, é possível visibilizar o embrião e detectar o batimento cardíaco.
Drauzio – A partir de que momento o ultrassom detecta a presença do embrião?
Mario Burlacchini – Pela via transvaginal, na grande maioria dos casos, o embrião começa a ser detectado lá pela sexta ou sétima semana de gravidez e o batimento cardíaco quando o embrião está medindo 5mm, o que ocorre geralmente nessa fase da gestação.
Drauzio – Nós já usamos as palavras feto e embrião para designar o bebê que está na barriga da mãe. Em termos de semanas de gestação, o que diferencia o feto do embrião?
Mario Burlacchini – Cientificamente, até a oitava semana da gravidez, ele é classificado como embrião e daí em diante, até o nascimento, como feto. Depois do nascimento, é chamado de recém-nascido.
Drauzio – O que se procura identificar no ultrassom feito na sétima ou oitava semana de gravidez? Mario Burlacchini – A primeira vantagem do ultrassom precoce é datar a gestação, ou seja, comparar se a idade gestacional indicada pelo atraso da menstruação está concordante com o tamanho do bebê. Sabe-se que quanto mais no início estiver a gravidez, menor será o erro ultrassonográfico. Esse exame, portanto, nos dá a certeza de que existe compatibilidade entre o tamanho do feto e a idade gestacional.
Drauzio – O ultrassom detecta com precisão a idade do feto?
Mario Burlacchini – No primeiro trimestre, a margem de erro na datação da gravidez é pequena, fica em torno de cinco a sete dias. Esse dado inicial é importante para verificar o crescimento do feto, e classificá-lo como pequeno, grande ou de tamanho adequado para a idade gestacional.
Na falta do ultrassom do primeiro trimestre e existindo uma diferença muito grande (para mais ou para menos) entre a idade gestacional indicada pela última menstruação e a ultrassonográfica do terceiro trimestre, surge a dúvida entre a possibilidade de erro na data fornecida pela gestante e uma alteração do crescimento fetal.
Drauzio – Isso pode acontecer, pois as mulheres podem confundir a data da última menstruação já que algumas sangram durante a gravidez.
Mario Burlacchini – O ciclo menstrual sofre diversas influências na vida da mulher e isso tem reflexo na gravidez. Por isso, de 40% a 45% das gestantes apresentam o que denominamos de erro de data, ou seja, a data da última menstruação não é compatível com a ultrassonografia.
Drauzio – Nesses casos, quais das duas tem mais chance de estar certa?
Mario Burlacchini – Geralmente, a data prevista pelo ultrassom está certa. Alguns fatores, como o uso de pílulas anticoncepcionais e a amamentação, interferem na regulação do ciclo menstrual e explicam o erro de data na contagem das mulheres. Em muitos casos, o intervalo entre a interrupção do anticoncepcional e a gravidez é muito pequeno; noutros, principalmente nas classes sociais menos favorecidas, nas quais não há uma assistência adequada de planejamento familiar, a mulher engravida de novo enquanto está amamentando.
Drauzio – Há uma crença popular de que as mulheres não correm o risco de engravidar enquanto amamentam.
Mario Burlacchini – De certo modo, a amamentação protege contra a gravidez, mas é preciso que a mulher esteja amamentando o bebê exclusivamente no peito. Mesmo assim, no terceiro mês após o nascimento começa a diminuir a eficácia do aleitamento como proteção e é preciso combinar algum método de barreira, o uso do preservativo, por exemplo, para a mulher ficar mais tranquila. No momento, porém, em que deixa de amamentar unicamente no seio, é preciso introduzir métodos anticoncepcionais acessórios para evitar nova gravidez.
ULTRASSONS NO SEGUNDO TRIMESTRE
Drauzio – Considerando uma gravidez normal, com que frequência o ultrassom deve ser repetido?
Mario Burlacchini – Antes de estabelecer uma rotina ultrassonográfica, é bom dizer que a grande maioria das gestantes tem gravidez normal. Se considerarmos os levantamentos mundiais e o da clínica obstétrica da USP, a porcentagem de malformações na população em geral é de 4% a 4,5%. Quando me refiro a malformações, incluo desde problemas graves, como malformação cardíaca ou cerebral, até um mais leve como a polidactilia (um dedo extranumerário) de correção simples e que não traz nenhuma sequela.
Retomando sua pergunta, o primeiro ultrassom deve ser feito em torno da sétima ou oitava semana de gravidez. Além de determinar mais precisamente a data inicial da gestação, ele é importante também para verificar se a gravidez é tópica (está se desenvolvendo dentro do útero), ou ectópica (o saco gestacional está fora do útero, nas trompas), o que constitui um quadro grave que exige intervenção cirúrgica na maioria das vezes.
O segundo ultrassom deve ser feito entre a 11ª e 14ª semana de gravidez e é chamado ultrassom com translucência nucal. O objetivo desse exame é examinar a normalidade de algumas estruturas fetais e medir a translucência nucal que indicará o risco de o bebê ter síndrome de Down ou alguma outra cromossomopatia.
Drauzio – E o terceiro, quando deve ser feito?
Mario Burlacchini – O terceiro ultrassom preconizamos que seja feito entre a 18ª e 24ª semana de gravidez. Ele é conhecido como ultrassom morfológico de segundo trimestre. Nessa fase, podemos analisar o feto da cabeça até os pés, examinando todas as suas estruturas, internas e externas, e avaliar sua normalidade. Nesse exame, realizamos também a dopafluxometria das artérias uterinas, isto é, das duas artérias que levam sangue da mãe até a placenta.
Drauzio – O que vocês estudam nessas artérias?
Mario Burlacchini – Por meio de doppler, já no segundo trimestre, é possível identificar se a gestante é de risco para desenvolver pré-eclampsia (aumento da pressão arterial específica na gravidez) e restrição do crescimento fetal (diminuição do crescimento do feto). Atualmente, terminado esse exame, é feito também um ultrassom transvaginal para medir o comprimento do colo uterino, a fim de estimar o risco de um parto prematuro.
Drauzio – No ultrassom feito entre a 18ª e 24ª semana, vocês examinam não só o feto, como a condição das artérias maternas que vão nutrir o útero e a condição do colo do útero por onde o bebê vai passar.
Mario Burlacchini – Pode-se dizer que é quase um pacote de ultrassonografia em que se examina o feto e a mãe para avaliar suas condições para o desenvolvimento dessa gravidez. Quando é feito esse ultrassom, estamos mais ou menos na metade da gravidez (que dura 40 semanas), mas já se consegue determinar se a paciente é de risco alto e precisa de assistência específica ou se é de risco baixo para complicações na gravidez.
ULTRASSOM NO TERCEIRO TRIMESTRE
Drauzio – Depois desses três, é necessário fazer algum outro ultrassom?
Mario Burlacchini– No terceiro trimestre, realizamos um ultrassom para avaliar o crescimento fetal. Ele costuma tranquilizar a gestante no final da gravidez. Em geral, se preconiza que seja feito após a 34ª semana. Além de verificar se o bebê está crescendo adequadamente, reexaminamos as condições placentárias e a quantidade de líquido amniótico.
Drauzio – Você acha que quatro ultrassonografias são suficientes para uma avaliação adequada da gravidez?
Mario Burlacchini – Com certeza. Se conseguirmos oferecer esses quatro exames, a paciente estará bem assistida do ponto de vista ultrassonográfico e pré-natal.
FEBRE DE ULTRASSONS
Drauzio – Nesse aspecto existe uma diferença grande entre as pacientes que fazem parte do sistema privado de medicina e aquelas que usam o sistema público. Muitas das que se valem do sistema privado fazem ultrassonografias quase todo mês e transformam o exame num acontecimento social que reúne várias pessoas da família.
Mario Burlacchini – O ideal seria fazer quatro ultrassonografias durante a gravidez para um bom acompanhamento pré-natal. Nos países desenvolvidos, como o exame é oferecido para todas as grávidas, a maioria faz de um a dois ultrassons apenas. Claro que isso prejudica o diagnóstico de algumas malformações, porque elas podem aparecer em diferentes momentos da gravidez.
No sistema privado brasileiro, sem dúvida, a ultrassonografia é um evento social. Na maioria das clínicas particulares, o exame é feito com tempo para mostrar imagens bonitas e procurar o melhor ângulo para ver o feto. A família grava e assiste ao filme em casa. Fazer ultrassom transformou-se numa febre provocada pela associação de duas vontades: a da mãe e a do médico, que se sente mais tranquilo quando vê que tudo está indo bem internamente com aquela gravidez.
ULTRASSOM NO SISTEMA PÚBLICO
Drauzio – O sistema público oferece esses quatro exames?
Mario Burlacchini – Infelizmente, no sistema público, não existe nenhum programa de assistência pré-natal estabelecido quanto à ultrassonografia. No Hospital das Clínicas, o protocolo é oferecer para todas as pacientes pelo menos esses quatro exames, pois temos condições de manter esse esquema: aparelhos muito bons e médicos em número suficiente, tanto que passamos a atender pacientes de outros postos. Claro que não dá para absorver todas as gestantes da cidade de São Paulo, muito menos do Estado, mas estamos conseguindo oferecer serviço de ultrassom para pacientes que não fazem parte do serviço da Universidade. No sistema público de assistência básica, nos postos de saúde, não acredito que a mulher tenha direito a um exame sequer. Quando o médico solicita a ultrassonografia, ela acaba fazendo o exame por conta própria, numa clínica popular que cobre preços mais accessíveis.
Drauzio – Muitos obstetras se queixam de que há mulheres que fazem o ultrassom, veem que a criança está bem e abandonam o pré-natal.
Mario Burlacchini – Muitas pacientes acham que fazer o ultrassom equivale a fazer o pré-natal, o que é um erro muito grande. O ultrassom é um método complementar que vai ajudar o médico a prestar boa assistência para a gestante. Portanto, é importantíssimo que ela faça visitas regulares ao seu médico. Em geral, as visitas são mensais no começo da gravidez, mas se tornam quinzenais e até semanais no final, porque o médico precisa controlar o peso e a pressão arterial da gestante, além de medir a altura uterina. Esses cuidados clínicos importantíssimos, em nenhuma hipótese, são substituídos pelo ultrassom.
Drauzio – É lógico que o ultrassom não previne nenhum dos problemas clínicos que podem surgir durante a gravidez.
Mario Burlacchini – O ultrassom não previne a doença hipertensiva, nem o diabetes, nem a anemia que podem ocorrer durante a gravidez. Por isso, a gestante precisa de acompanhamento médico para evitar complicações e ter uma gravidez mais segura.
Drauzio – A qualidade das imagens obtidas pelas máquinas modernas de ultrassom é excelente. As imagens são nítidas e permitem uma análise bastante precisa da evolução da gravidez.
Mario Burlacchini – Quando comecei a fazer ultrassonografia, já estavam à disposição bons aparelhos para realizar os exames, mas eles estão cada dia melhores. A imagem 1, por exemplo, permite ver o pé fetal cruzado, contar os dedos, ver as unhas. É um pé bonito que está no posicionamento adequado. Essa imagem foi obtida pelo ultrassom tridimensional que, nos outros países, é utilizado quando há dúvida sobre a existência de alguma malformação para visibilizá-la melhor. No Brasil, ele é outra febre do momento, porque ajuda o casal a enxergar detalhes mais difíceis de serem vistos na imagem em duas dimensões.
A imagem 2 deixa ver a face fetal, uma face normal, a mãozinha e os dedos que podem ser contados. A imagem 3, focada na genitália masculina (o saquinho e o pênis), mostra o bebê segurando o pênis. Na imagem 4, o feto está de perfil com o dedo na boca. O feto chupar o polegar ou qualquer outro dedo é outro achado muito comum no final da gravidez.
Drauzio – O feto manipular a genitália é um achado também comum na ultrassonografia?
Mario Burlacchini – Com frequência, podemos observar que o feto manipula a genitália. Provavelmente isso lhe traz algum tipo de prazer. O interessante é que no início da gravidez o pênis costuma estar em repouso. Com o tempo, porém, notam-se sinais de aumento do tamanho do pênis e ereção.
Drauzio – A qualidade das imagens é impressionante no ultrassom em 3D.
Mario Burlacchini – São imagens muito bonitas, mas é preciso ter em mente que o ultrassom em 3D não existe só para obter belas imagens do bebê. É preciso procurar outros recursos e utilidades que esse avanço tecnológico põe à disposição a fim de que transformá-lo numa rotina importante na gravidez.
Drauzio – Quando as mulheres veem as imagens em 3D, não se conformam com as obtidas em 2D. É justificável esse desejo?
Mario Burlacchini – Não é justificável em hipótese nenhuma. O ultrassom em 3D não substitui a ultrassonografia normal na gravidez. Esse conceito é muito importante. O exame do feto tem de ser feito no ultrassom bidimensional, em preto e branco. Só se consegue dizer que o feto está bem, com cérebro, abdômen, intestinos e coração bem formados utilizando o ultrassom convencional. Na verdade, para conseguir uma imagem tridimensional bonita, é preciso fazer antes uma bidimensional bonita. É a partir do bidimensional que se vê o tridimensional.
SUPORTE PARA EXAMES INVASIVOS
Drauzio – O ultrassom permitiu uma série de procedimentos que dão acesso à cavidade uterina. Quais são os procedimentos invasivos mais comuns que vocês costumam realizar para saber o que está acontecendo dentro do útero?
Mario Burlacchini – Os dois mais comuns são a amniocentese e a biópsia de vilo corial, procedimentos que fornecem o cariótipo fetal. Cariótipo é o estudo dos cromossomos, da parte genética do feto, e que permite dizer se o bebê é normal ou portador de alguma síndrome, a mais comum é a síndrome de Down. A amniocentese é feita na 16ª semana de gravidez. Para realizá-la é necessário penetrar na bolsa e colher 20ml de líquido amniótico. A biópsia de vilo corial é feita no primeiro trimestre, da 11ª a 14ª semana, e são colhidos fragmentos da placenta. O material recolhido nos dois exames é mandado para estudo do cariograma fetal, que vai resultar num mapa dos cromossomos, dos 46 normais, ou num mapa com alguma alteração numérica ou da estrutura dos cromossomos. Drauzio – Como são realizados esses procedimentos?
Mario Burlacchini –O primeiro vídeo (vídeo 1) mostra o exame de amniocentese. Sempre com a visibilização direta oferecida pelo ultrassom, o médico introduz uma agulha de ponta brilhante porque tem um diamante, atravessa as estruturas da pele, o tecido celular subcutâneo, as estruturas internas, penetra na cavidade uterina e aspira 20 ml de líquido amniótico. As agulhas são tão finas que a paciente nem precisa tomar anestesia, porque o procedimento não costuma ser muito doloroso. É incômodo, mas dá para suportar.
Esse procedimento, a biopsia de vilo corial, foi realizado no primeiro trimestre da gravidez, num feto de doze semanas (vídeo 2). A placenta está localizada na face anterior do abdômen materno e, num movimento de vai e vem com uma agulha conectada a uma seringa de 20ml, retiram-se fragmentos da placenta. A biopsia de vilo não invade a cavidade amniótica. Portanto, a agulha fica longe do feto. (vídeo 3) Também é um procedimento da biopsia de vilo corial com a placenta na parte posterior do útero, voltada para a coluna da mãe. A agulha brilhante e fácil de visualizar é introduzida na barriga da mãe e, dentro da placenta, num movimento de vai e vem, recolhe amostras desse tecido.
Drauzio – Esse é um procedimento de risco zero para o feto porque a agulha fica distante dele.
Mario Burlacchini – De lesão fetal, sim, mas todo procedimento invasivo na gravidez pressupõe um pequeno risco de aborto que gira em torno de 1%. A simples invasão da cavidade uterina pode estimular a contração e provocar algum resultado indesejado. No vídeo 4, está registrado um exame de ultrassonografia realizado no primeiro trimestre de gravidez, ou melhor, na 12ª semana, que permite examinar algumas estruturas, como o cérebro, os braços, a mão (é possível contar os dedinhos), o coração, a bexiga. No abdômen, justamente na altura do umbigo, pode-se notar uma pequena anomalia, uma hérnia que denominamos onfalocele. Esse diagnóstico precoce tem importância porque a onfalocele está associada com alteração genética que pode ser determinada pela biópsia de vilo ou pela amniocentese. No vídeo 5, podemos ver o exame de um feto com 12 para 13 semanas de gravidez. O coração pode ser visto com facilidade assim como a translucência nucal um pouco aumentada.
Drauzio – Você poderia explicar o que é a translucência nucal?
Mario Burlacchini – Chamamos de translucência nucal uma pequena quantidade de fluido existente entre a pele e a gordura do pescoço e que está presente em todos os fetos. Não é uma anormalidade. Se o feto tem nuca, tem translucência. Todavia, quanto mais espessa for essa camada, maior o risco de o bebê ter síndrome de Down. Quanto menos espessa, menor o risco. O valor medido nesse exame é sempre combinado com a idade cronológica da mulher, dado fundamental na avaliação do risco para a síndrome de Down, por exemplo.
O exame de translucência nucal deve ser feito em algum serviço que disponha do programa de cálculo de risco fornecido gratuitamente por uma fundação de Londres e que leva em conta a idade da mãe, a medida da translucência e o tamanho do bebê para avaliar o risco específico para a síndrome de Down. Fala-se nessa síndrome por ser a mais comum, mas a avaliação de risco vale para outras doenças mais raras.
EXAMES BIOQUÍMICOS
Drauzio – Que tipo de exames bioquímicos podem ser feitos para avaliar as condições do feto?
Mario Burlacchini – Existem testes bioquímicos realizados em amostras do sangue materno que identificam proteínas relacionadas à gravidez e que se apresentam alteradas quando existe alguma suspeita de anormalidade, principalmente o risco da síndrome de Down.
No passado, o mais comum era o teste triplo feito na 16ª semana para medir a dosagem de alfafetoproteína, a fração beta da gonadotrofina cariônica (beta-HCG) e do estriol. Hoje, não há mais sentido em realizá-lo especialmente em nosso País, onde não está demarcada a curva de normalidade para a nossa população e, como se sabe, a raça interfere na bioquímica. Por esse motivo e porque se pode avaliar esse risco já na 12ª semana, o ultrassom substituiu com vantagem esse exame. Atualmente, dispomos do bioquímico de primeiro trimestre. Junto com o ultrassom da translucência nucal, pode-se retirar sangue da mãe e dosar a beta-HCG e a proteína A plasmática (PAPP), duas proteínas específicas da gravidez. As informações obtidas nesse exame associadas às do ultrassom de translucência conferem mais acurácia ao método.
Drauzio – Algumas mulheres não manifestam interesse em fazer esses exames para avaliar as condições do feto. Dizem que se descobrirem que o filho apresenta alguma malformação séria têm duas alternativas: interromper a gravidez ou levá-la para frente. Se não estiverem dispostas a interromper, o que lhes adianta saber disso?
Mario Burlacchini – Na verdade, no Brasil, legalmente não é permitido interromper a gravidez em casos de malformação fetal. Claro que se trata de um assunto controverso que merece ser discutido e muito. O ideal é que a paciente comece o pré-natal antes de engravidar para que receba aconselhamento pré-concepcional e o médico conheça os objetivos e ansiedades que nutre em relação à gestação. Se ela não se interessa em saber o risco para determinadas síndromes e complicações na gravidez, talvez não precise realmente fazer esses testes. Em relação ao ultrassom, a conduta é diferente. A gestante deve fazer todos os exames programados para que sua gravidez prossiga normalmente do ponto de vista clínico. Se é desejo do casal não discutir a possibilidade da síndrome de Down, respeita-se a vontade, mas essa não é a regra. É a exceção. A maioria não consegue distanciar-se do problema, até porque a massa de informações veiculadas pela mídia sobre o assunto faz parte do dia dessas pacientes.
Veja também:
- Ultrassom Morfológico
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